segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A nova Câmara de Estarreja, em notícia de 1899

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O texto que abaixo se transcreve foi publicado em 1899 na revista “O Occidente”, um dos principais periódicos portugueses da época. Nele se dá notícia do então recente edifício dos Paços do Concelho de Estarreja, onde passaram a albergar-se quase todas as repartições públicas locais, e publicam-se conjuntamente as fotografias de Francisco Barbosa e da Câmara, talvez a mais antiga fotografia existente do edifício.

A casa onde a Câmara de Estarreja funcionava, antes dos Paços do Concelho actuais, era muito mais modesta. Após ter dela saído a Câmara, tribunal e demais repartições, continuou a albergar a cadeia de Estarreja até que, em 1946, foi oferecida aos Bombeiros Voluntários de Estarreja. Estava em estado degradado quando foi demolida, cerca de 1952, possibilitando o alargamento da Praça do Peixe. Mais ou menos no mesmo local está hoje instalado o Bar da Tomásia.

A transcrição abaixo mantém a ortografia da época e mesmo as expressões que, actualmente, são erros ortográficos. Parece mais interessante manter o texto tal como está no original, pelo sabor que imprime na sua leitura

Marco Pereira


PAÇOS DO CONCELHO DE ESTARREJA

O populoso e rico concelho de Estarreja faz parte do districto de Aveiro. A villa fica n’uma elevação sobranceira aos feracissimos campos do rio Vouga; e communica com a formosa ria de Aveiro por um canal de cerca de três kilometros de extensão.

No dia 5 de Janeiro de 1896 inaugurou-se o bello e magestoso edificio representado pela nossa gravura, destinado a servir de paços do concelho, abrangendo tambem todas as outras repartições publicas, com excepção apenas da estação telegrapho-postal.

Pode dizer-se que por sua vastidão, perfeito acabamento, disposição interior e architectura a um tempo simples e elegante, é um dos mais notaveis edificios publicos do paiz.

Mede em extensão 50 metros; em altura, da base á cornija 14 metros, e em largura 20 metros.

O pavimento interior, do lado esquerdo frente, contém: a administração do concelho, com o gabinete do administrador e archivo, e a recebedoria; do lado direito frente: a repartição de fazenda em duas salas, o archivo, o gabinete do escrivão e do contador da comarca. Do lado esquerdo fundo: a conservatoria e gabinete do conservador, a sala das audiências do juizo de paz, a repartição do aferimento dos pesos e medidas. Do lado direito fundo: os quatro cartorios dos escrivães do juizo de direito.

O pavimento nobre, do lado direito frente contem: a sala do tribunal judicial e gabinetes do juiz e delegado. Do lado esquerdo frente: a sala das sessões da camara municipal com dois gabinetes. Do lado direito fundo: quatro salas para testemunhas e jurados. Do lado esquerdo fundo: a thesouraria do concelho, o archivo e secretaria da camara municipal.

As salas do tribunal e das sessões da camara tem cada uma 16,m40 de comprimento por 9m,20 de largura. Todas as outras salas e gabinetes são vastos, arejados, e de grande pé direito.

A entrada faz-se por um amplo atrio quadrado de 9,m20 de largura por outros tantos de comprido; e a elle corresponde no pavimento superior um magnifico salão muito bem ornamentado. A escada é elegante e lançada com todas as condições da arte. No frontão veem-se em granito as armas reaes portuguezas.

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A construcção d’este edificio, cuja planta foi elaborada pelo distincto professor do lyceu de Aveiro, João da Maia Romão, e começada em 1892, deve-se aos incansaveis esforços do sr. Francisco Barbosa da Cunha Sottomayor, illustre deputado pelo circulo de Estarreja e Ovar, um benemerito d’aquella localidade, que a tem dotado com muitos importantes melhoramentos. Este cavalheiro, que a um sangue distrincto allia as mais apreciaveis qualidades como homem publico e particular, conseguiu levar a cabo em menos de quatro annos, sem sollicitar auxilios do governo, e somente com as forças do municipio de que era presidente, com o seu trabalho aturado e com uma vigilancia tão energica como intelligente, este soberbo edificio, que não envergonharia qualquer das nossas principaes cidades, e cujo custo foi relativamente economico, porque não excedeu a somma de 30.000$000 réis, incluindo expropriação do terreno e mobilia completa para todas as repartições.

"O Occidente", n.º 739, 10/7/1899, pág. 153


In "O Jornal de Estarreja", n.º 4550, 14.1.2011, p. 2
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